domingo, 1 de junho de 2014

Na divisa Rio-Minas, moradores de 41 cidades têm o melhor de dois mundos - Chiador

Fonte : Jornal o Globo

RIO - Às margens de uma estrada estreita, na zona rural do município mineiro de Chiador, com apenas 2.785 habitantes, o muro de uma casa chama a atenção de quem passa: cuidadosamente esculpido, há o escudo do Clube de Regatas do Flamengo, acompanhado da palavra amor. A cena exemplifica bem o que é um território com 513 quilômetros de extensão e 41 cidades, que separa os estados de Minas Gerais e Rio de Janeiro. Se do lado de lá os nossos times de futebol são quase uma unanimidade, do lado de cá é possível ouvir, por exemplo, um sotaque bem mais para o mineiro do que para o carioca. Não é à toa que, para muitos, os municípios da maior área da divisa fluminense ganharam um apelido carinhoso: são as cidades “mineirocas”.

— Somos mineiros, mas meu marido sempre foi apaixonado pelo Flamengo. É fanático e tem o sonho de um dia ir ao Maracanã — conta Lúcia Reis, mulher de Jorge Luiz Raize, que há cerca de 15 anos esculpiu o escudo do clube do coração no muro.


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Dados da Fundação Centro Estadual de Estatísticas, Pesquisas e Formação de Servidores Públicos do Rio (Fundação Ceperj) mostram que a divisa Rio-Minas possui 17 municípios do lado fluminense, com uma população total de 626.836 habitantes. Há desde a pequena Laje do Muriaé (7.487 habitantes) até Resende (119.769). Já em Minas são 24 cidades, com um total de 153.557 moradores. Apenas uma delas (Além Paraíba) tem mais do que 15 mil habitantes. Não à toa, quem vive nessas pequenas localidades acaba se desdobrando entre os dois estados. É o caso da professora Maria das Graças Nascimento Silva, mineira e moradora de Chiador com orgulho. Mas que exibe no endereço da sua correspondência outro município: Sapucaia, cidade de 17.525 habitantes no Rio de Janeiro.

— Eu moro em Chiador, mas numa casa que é uma área de invasão, às margens do rio (Paraíba do Sul). Se desse meu endereço mesmo, não ia receber uma carta. Então, recebo a correspondência no correio de Sapucaia — diz Maria.

Rio, dinheiro. Minas, sossego

A professora ainda se divide no trabalho entre as duas cidades: de manhã, é alfabetizadora numa escola municipal em Chiador; à noite, dá aula na rede estadual do Rio, em Sapucaia. Para ir e voltar, cruza a pé a já castigada ponte, construída na década de 1960. E a cena de Maria se repete ao longo da divisa: um dos pontos mais movimentados está na interseção de Santo Antônio de Pádua (RJ), cidade com 40.589 habitantes, e Pirapetinga (MG), com 10.364. A carioca de São Cristóvão Ana Paula Miranda Moura, moradora de Pirapetinga, define bem o que atrai em cada lado:

— Há quatro anos, saí do Rio para vir morar em Pirapetinga. Resolvi ficar do lado de Minas porque é mais tranquilo. Mas em compensação, financeiramente, Pádua é melhor: pagam R$ 70 numa faxina lá, enquanto aqui é R$ 30. Resumindo: fazer dinheiro é no Rio, paz e sossego são em Minas.

Na região de divisa, são constantes os relatos de moradores de Minas que estão passando para o lado fluminense. Contas mais baratas de energia, impostos menores e benefícios como o transporte gratuito de ônibus para os filhos estão entre os principais atrativos. Dono de uma pousada chamada Rio-Minas, exatamente na região da divisa em Pirapetinga, Walber Luz diz que só não se mudou porque é mineiro de coração:

— Só saio daqui para o cemitério. Mas no Rio está tudo mais barato: luz, água... Está todo mundo se mudando para lá.

Se vão para o Rio muitas vezes atrás de benefícios, os mineiros ainda têm alguns temores em relação ao lado fluminense. Um dos maiores parece ser a Polícia Militar: são constantes os relatos de queixas em relação aos “azuizinhos”, a PM do Rio.

— Se você está errado e é parado em Minas, o policial vai te levar para a cadeia se preciso. Já no Rio, é ver qual o jeitinho que eles vão querer dar — diz um morador de Além Paraíba, sem se identificar.

Em busca da calmaria mineira, é possível encontrar quem trocou o Rio até pela pequena cidade de Chiador. Alcides Cezar Gonçalves, de 67 anos, conta que nasceu em Nova Iguaçu, mas se mudou muito cedo para o município da divisa, onde possui algumas terras. Aos 18 anos, passou um período de novo na Baixada, mas não aguentou muito tempo e voltou para Chiador:

— A gente está num lugar tranquilo, mas perto do Rio. São 148 quilômetros de Nova Iguaçu. Quando os amigos vêm, eu tenho que correr para acender o fogo da churrasqueira — brinca Alcides, que, apesar de morar em Minas, tem plano de saúde do Rio e faz suas consultas médicas em Itaperuna.

João Vicente Ferraz, geógrafo da Fundação Ceperj, lembra que a relação entre as cidades é tão grande na divisa, que chega a criar confusão:

— Existe, por exemplo, a região de Maringá, que muitos chamam Maringá do Rio e Maringá de Minas. Na verdade, de um lado é Itatiaia (RJ) e do outro é Bocaina de Minas.


Veja tambem o video :

http://oglobo.globo.com/videos/t/todos-os-videos/v/catalogo/3384753/

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